quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

UM dia.

Amanheceu.
Acordo.
O Sol já vai alto, mas para mim ainda é de manhã.
Saio à rua e olho para as pessoas. Pode parecer redundante, mas não é: sinto que ninguém está a olhar para mim.
Olho, cara a cara, rosto a rosto e tento imaginar que história têm para contar.
Uma idosa pareceu-me contente, feliz. Tem ar de quem tem netos e um objectivo de vida cumprido. Outro rapaz parece preocupado, talvez seja desempregado: fuma desalmadamente. A outra senhora não consegui perceber, pareceu-me bem mas ia certamente trabalhar.
Reconheço uma ou duas caras entre a multidão e aceno. Aperto a mão a um conhecido que hoje acordou bem disposto.
Sorriu, simpaticamente.
Continuo.
Quase a chegar ao meu destino, um mendigo estende-me o que me pareceu um copo imundo e pede-me esmola. Viro a cara, finjo não ver. Uma reacção altamente cobarde.
Mas no fundo, não posso querer mudar o mundo.
Sinto que alguém me está a observar com um ar ameaçador. Também olho.
Que estranha forma têm as pessoas de se relacionar hoje em dia.
Continuo.
Isto não está a correr mal, já sorri uma vez.
Sento-me.
Sinto que algo mudou. Em mim, no mundo, não sei.
Penso.
Foi em mim, tenho a certeza.
Apalpo-me, sinto-me. Ouço algo a bater.
(O meu pai quando eu era pequenino dizia que tinha engolido um relógio!)
Isto continua a não correr mal, já sorri uma vez.
Almoço, lancho, janto.
Sento-me.
Afinal hoje, feitas as contas, não correu nada mal: afinal, sorri uma vez!
Acho que quero ignorar que foi um sorriso de circunstância. Serve.
Já deitado, sem nada para olhar, chovo. (sim, chovo!)
Penso porque escrevi isto.
Talvez seja para contar a alguém o que não contei hoje.
Mas só no fim, mesmo mesmo mesmo agora percebi.
Não tinha nada para dizer.

4 comentários:

  1. Não nos devemos esquecer que são com "sorrisos de circunstância" que tudo começa.

    Seja lá o que for!

    Talvez se sorrirmos com maior frequência e intensidade a vida nos sorria de volta...

    Se assim não for, caímos no erro de viver o dia como se fosse apenas "mais um dia".

    Um abraço

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  2. Aquele que sabe definir o seu dia em mais de 3 linhas é porque algo aconteceu. E a ti aconteceu bastante nesse dia.

    E mais que tudo, lembra-te "pequeno , grande , médio e micro" escritor onde houver caras tristes terás sempre um nobre motivo para te rires e mesmo até ponderar... "Ao menos não sou aquele otário".

    Abraço,
    Companheiro-das-rodadas-de-imperiais-em-frente-do-IST-pós-exame-que-corre-mal-às-sextas-feiras

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  3. Adoro como de um dia em que não aconteceu grande coisa consegues fazer um testamento (e isto não é num mau sentido porque gostei bastante).

    O que tu tás a precisar sei eu, é duma bela saída com pessoal açoriano ;)

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